Estou aqui terminando de fechar os cartazes para a Semana da visibilidade lésbica (depois coloco aqui o blog). A Camará fotografou* e está diagramando cartazes e cartões que devem causar um rebuliço na cidade. São mulheres se beijando ou trocando carinhos em espaços públicos de Campinas. Mas isso é assunto para outro post (teremos novidades sobre isso em breve, inclusive).
A produção dos cartazes é o tema. Não é a primeira vez que me lembro das aulas de "Sociologia de Marx" quando faço um trabalho de design gráfico. O conceito que me vem sempre à memória nessas situações é o de "estranhamento do trabalho", que freqüentemente se confunde ao de alienação do trabalho. Não tenho condições teóricas de me aprofundar nisso, mas convém dizer que ao meu ver o que é "trabalho" para Hegel (e também para Marx) não se restringe ao "chão de fábrica".
Quero dizer com isso que trabalho é algo mais amplo, anterior ao que se entende atualmente por "mundo do trabalho". Ele está no âmago do ser humano e da sociedade: é sinônimo de Cultura. Não àquela idéia de Cultura que se vincula bobamente às "artes" ou ao entretenimento, mas a Cultura humana relacionada intrinsecamente à produção de signos e (por conseguinte) de ideologia. Ou seja, mais do que agir diretamente sobre a natureza, nós criamos signos através dos quais interagimos com ela. Os signos são nossas ferramentas de trabalho, de cultura. Eles tem uma carga ideológica intrínseca a sua formação, que pode até ter um caráter mais individual, mas dialoga necessariamente com a coletividade humana (além de ser sempre material, mesmo que apenas em nosso cérebro).
O "Estranhamento" está justamente relacionado a isso. Estranhar, por falta de um verbo melhor, está relacionado a se separar do próprio trabalho. Produzir e imediatamente ver estranhado o produto, apartar-se dele, para vê-lo integrar-se a uma coletividade. O que é individual (uma frase que se pronuncia, p. ex.) torna-se coletivo e estranho ao próprio autor, porque já não é dele. Até aqui tudo bem(?). O problema é que o desenvolvimento do sistema capitalista sorrateiramente transforma esse estranhamento - que é próprio da história da cultura humana - num processo de "alienação do trabalho". Aqui posso citar o exemplo clássico do marxismo: o operário lá que aperta o parafuso da calota traseira esquerda de um carro de luxo de uma montadora japonesa nunca vai por a mão num desses carros. Mas é ele quem faz o trabalho que será alienado (roubado) pelos que poderão andar nesses carros. Evidentemente existe uma escala de rapinagem e consciência criminosa... não me interessa.
Interessa mesmo aqui é explicitar (ainda que porcamente, eu sei) essa idéia de "Estranhamento" x "Alienação" do trabalho, que ocorre sempre em forma de luta, de negociação, de processo, de História. Quando produzo peças gráficas, sempre encrencando com as vontades alheias sobre os meus pequenos filhotes, lembro disso tudo (ou quase). Isto é útil para que eu consiga dialogar sem me ver alienado de meu próprio trabalho... Assim, trabalhar sem receber um tostão, mesmo com a conta estourada, pode ser bem melhor do que o mais alto salário que possam me pagar. Pena que não é sempre e não resolve o problema da conta...
* A Márcia também fotografou. Uma das fotos dela foi escolhida para um dos cartazes.
Um comentário:
muito boa a sua explicação sobre o estranhamento. talvez ela não esteja tão porcamente esplanada. você não tem idéia de como ajudou na minha compreensão do termo. só não sei se é estranho ver lésbicas se beijando em praça pública
beijos
Postar um comentário