19.7.08

Orlando Villas Bôas no Roda Viva

Ulisses Capozoli: Orlando, você está contando história... Das histórias que você conta, uma me impressiona profundamente. Acho que valeria a pena você contá-la rapidamente. Essa história do Tacumá, daquela criança que foi morta por uma onça, nessa aldeia kamaiurá...

Orlando Villas Bôas: Não, não foi Tacumá. Isso foi na aldeia Aorá [?]. À tardinha, as crianças vão para o último banho do dia, da tarde. E, no caminho... eram umas 15 crianças. Meninos, assim, de 10 anos pra baixo, gritando, correndo, fazendo barulho, essa coisa toda. Uma onça pula e pega um menino de 8 anos e mata o menino. As crianças voltaram, correram para a aldeia, fizeram então uma choradeira incrível, as mulheres índias, elas são muito exageradas. Elas não choram só, elas caem no chão, elas rolam, elas gritam e foi um pandemônio danado. Nós estávamos longe, 18 quilômetros. Tivemos notícias, corremos para lá, eu e Cláudio chegamos lá à noite. Estava havendo uma polvorosa incrível. Então ficou combinado que, no dia seguinte, 40 homens sairiam procurar a onça, eles queriam matar a onça. Então, nós levantamos todo mundo muito muito cedo, 6:30 mais ou menos, já estava todo o mundo lá, todos os homens no pátio da aldeia, as mulhares chorando dentro das casas e eu perguntei: "Onde é que está o pajé Tutoporé?" "Ele tá lá! Ele não quer falar, não quer tomar água, não quer comer, não quer fazer nada. Está muito triste"! Porque ele era tio do menino que morreu. Bom, nós ficamos ali, os índios que iam sair para procurar a onça já estavam se movimentando. Eram uns 40, no fim tava reduzido mais ou menos uns 20, já estavam saindo, quando Tutoporé chegou e disse assim: "Não precisam procurar a onça". Isso é uma coisa fantástica, que eu não tenho explicação. Eu, dos civilizados, sou a única testemunha viva, porque o Cláudio faleceu o ano passado. Aí, o Tutoporé disse: "A onça vai entrar aqui e vai deitar ali". Ninguém acreditou. Eu olhei para o Cláudio, o Cláudio riu e eu ri também, ficamos ali...

Paulo Markun: Quando o senhor diz: "ninguém acreditou", os índios também não acreditaram?

Orlando Villas Bôas: Alguns não acreditaram, fizeram um ar assim, meio de coisa, viraram as costas.

Paulo Markun: Mas obedeceram...

Orlando Villas Bôas: Ficamos ali no pátio da aldeia, dentro da casa não podia entrar ninguém porque as mulheres estavam chorando. Aí quando foi mais ou menos... e nós ficamos olhando para o sol, desde as 7 horas da manhã, esperando que o sol chegasse a pino. Porque o Tutoporé disse: "Quando o sol estiver aqui". De repente, um índio gritou: [Villas Bôas fala em língua indígena], "Uma onça, uma onça, uma onça"! Foi uma corrida no pátio da aldeia, nós todos ficamos ali. Apareceu uma onça e a onça foi subindo, foi subindo. Nos afastamos e fizemos como uma barreira e onça passou a 3 metros de mim, do Cláudio e de 150, 200 índios. Ela tinha o lado esquerdo todo escalavrado, do lado estava todo escalavrado, como se tivesse saído de alguma briga, estava sem pêlo. E a onça passou, passou, passou, chegou no ponto em que o pajé disse, ela virou, deitou e pôs a cabeça no chão. Três índios foram correndo com a borduna e quebraram o pescoço da onça. Ela não deu um gemido, ela não deu um ronco, não fez o menor movimento. Aí, [?] matou a onça, fui correndo para lá, peguei uma pedra, pus em baixo, peguei a cabeça da onça e pus em cima da pedra, fotografei e tenho a fotografia. E agora?

Washington Novaes: Uma onça não se comporta dessa maneira na mata, evidentemente!

3 comentários:

Maíla Diamante disse...

um forrest gump da floresta ;)

Denis Forigo disse...

:)

a entrevista completa é muito boa... no site Memória Roda Viva. Está rtanscrita por inteiro!

Maíla Diamante disse...

excelente site, por sinal.