30.1.08

A história do chamamento pelo nome (revival)

Deitado já sob o solo que lhe puseram as pás, pensava sinceramente que não era de bem um morto falar. Ainda que Machado o fizesse, ainda que fosse da literatura corrente, pensava que clamar, fosse o que fosse, não tendo sido de seu costume quando em vida, seria inútil ou, no mínimo, vulgar. Sendo assim, resolveu o morto Ataíde ficar calado. Resolveu que quando morto - e agora era o caso - não deveria mais falar. Confirmou a decisão e seria, por todos os tempos, morto em silêncio. No fim acabou realmente por não falar. Também não ressuscitou, que isso já era coisa de morto maior. Resolveu que em silêncio, com seus botões, deveria sussurrar uma cantiga fina, como garoa de cidade grande, que não serve para nada, a não ser molhar. Escolheu que seria o sussurro sua arma mortal, sua assinatura viva de morto pra sempre. Para enfeitar também virou vulto, daqueles que sombreiam quando ao sono alguém luta para não se entregar. E é para estes que a cantiga do Ataíde, não fazendo sono, vira chamamento do nome e sinal de azar.

Nenhum comentário: